Caminho Português de Santiago Interior por Viseu em BTT Catedral de Santigo de Compostela iluminada durante a noite Ondas da Serra

Caminho Português de Santiago Interior por Viseu em BTT

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Regressamos em peregrinação a Santiago de Compostela, para visitar o Apóstolo, de quem somos devotos e nos guia neste caminho. Para esta viagem escolhemos o Caminho Português de Santiago Interior, que nos colocou toda a espécie de dificuldades, pelo seu belo, mas tortuoso e difícil percurso. Na primeira tentativa começamos em Viseu, mas grossos mares nos fustigaram e naufragamos destroçados em Castro Daire. Voltamos com melhor organização, preparação física e mental para a dureza da viajem. Nesta tentativa o Santo foi-nos favorável e concedeu-nos a graça de chegarmos a bom porto e lhe prestar orações. Nesta empresa percorremos 400 km, durante sete dias, por caminhos milenares entre Portugal e Espanha. Neste artigo vamos contar-lhe esta aventura, os locais por onde passamos, onde comemos, dormirmos, conhecemos e dar-lhes algumas dicas e sugestões que podem ser úteis para organizar a sua peregrinação.

Caminho Português de Santiago Interior - Peregrinação de Viseu a Santiago de Compostela 

Caminho Português de Santiago Interior em BTT - Bicicleta

Caminho Português Interior em bicicleta - Sílvio Dias do Ondas da Serra

Nós como somos amantes da bicicleta, utilizamos este meio para fazer os Caminhos de Santiago. Neste artigo vamos contar-lhe esta experiência do Caminho Português Santigo Interior que se une à Via da Prata em Espanha, peregrinação realizada entre Viseu e Santiago de Compostela, no total de cerca de 400 Km. 

Quem tem fê nunca está sozinho

Muitos amigos alertam-nos para os perigos de fazermos o caminho sozinho, mas nós explicamos que estamos acompanhados pela fê no Apóstolo Santiago, que reside no nosso coração, que nos guia, dá força e nos conduz pelos vales tenebrosos. Não tememos o infortúnio e se algo acontecer é porque assim está escrito e chegou a nossa hora, que ninguém fique triste, vamos prestar contas pelos nossos padecimentos neste terreno mundo e partiremos felizes a fazer o que gostamos. Por estas razões escrevemos este diário de navegação no plural, porque não fomos sozinhos, representamos o Ondas da Serra, viajamos com a nossa comunidade e amigos que nos apoiaram.     

Avaliação geral do Caminho Português de Santiago Interior

Entrada no recinto da Catedral de Compostela pela Avenida Raxio

Este é um caminho muito difícil principalmente em Portugal até Chaves, já que atravessa grandes montanhas com um inóspito relevo, sendo mais aconselhável para peregrinos apeados. Em Espanha a dificuldade diminui, mas não deixa de continuar a ser exigente. Por ser um percurso que rasga a península ibérica pelo interior, irá encontrar uma reduzida densidade urbana e passar muito tempo sozinho, contemplando a imensidão e beleza das paisagens que convidam à introspeção.

A riqueza natural é acompanhada pela arquitetónica, passamos por centenas de velhas igrejas e pontes, muitas românicas, utilizadas por antigos peregrinos há mais de mil anos, que parecendo iguais são todas diferentes.    

Entravamos deslumbrados nas aldeias, alheias ao passar do tempo, com o povo a trabalhar a terra, guardar o gado ou apenas a olhar o horizonte.  A nossa viajem interior é catapultada para o passado, somos mais rurais que citadinos, por vezes achamos que estamos a viver na época errada e que ainda somos caçadores-recoletores, pedreiros das catedrais ou homens de armas do reino.

Recordaremos até ao final dos nossos dias a subida pousada, como se fosse para o céu, das escadarias da Avenida Raxio, de encontro à Praça Obradoiro, onde rezamos ao Apóstolo que nos espreita lá de cima. Nesta viajem estivemos mais próximos do divino do que nunca, vencendo a barreira espaço-temporal que nos aprisiona neste finitos corpos materiais.  

Certificação do Caminho Português de Santiago Interior

O Governo Português através de legislação certificou este caminho e no terreno já se podem ver algumas das suas realizações, como a melhoria da sinalização que encontramos. Falta agora em determinados troços, principalmente entre Viseu e Lamego, melhorarem o piso, pois em algumas encostas a água que corre mais parece uma cascata.   

“A certificação do Caminho Português de Santiago Interior visou reconhecer e preservar o património cultural e natural associado ao Caminho de Santiago e assegurar os serviços de apoio adequados aos peregrinos.

O Caminho Português de Santiago Interior, com 214 km de extensão, atravessa os municípios de Viseu, Castro Daire, Lamego, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar e Chaves. O itinerário implanta-se num corredor de circulação natural, utilizado durante a época Romana e ao longo da Idade Média como eixo inter-regional de primeira grandeza.

A definição do itinerário é apoiada em estudos publicados, trabalho de campo e pesquisa documental, incluindo levantamentos do património cultural material e imaterial associado à peregrinação e culto jacobeu, onde se destacam as 24 igrejas ou capelas com orago São Tiago e os cinco albergues e hospitais históricos.1

Caminho Português de Santiago Interior - Classificado como Rota Cultural Europeia

"O Caminho Português de Santiago Interior, foi o primeiro itinerário português Classificado como Rota Cultural Europeia. Liga-se à Via da Prata (Sevilha - Santiago), desde a fronteira de Vilarelho da Raia, percorrendo 173 km em território espanhol, até alcançar Santigo de Compostela." 2

Organização, dicas e conselhos para a peregrinação

Nesta peregrinação resolvemos fazer várias mudanças em relação às anteriores e que nos ajudaram bastante, nomeadamente:

  • Tempo: Verificamos repetidamente o tempo e só avançamos porque não foi prevista chuva;
  • Alimentação: Ao pequeno-almoço tomávamos proteínas, ingerindo uma clara de ovo e passado algum tempo tomávamos o pequeno-almoço normal. Fizemos paragens para um almoço ligeiro. Seguimos o conselho de beber sem ter sedo e comer sem ter fome, para evitar desidratação e falta de calorias. Notamos que não tivemos quebras com em anteriores viagens, onde só comíamos fruta, ou refeição frugal. Esta opção revelou-se correta devido à exigência calórica deste caminho.
  • Alojamento: Nesta viajem calculamos os locais de alojamento em função dos quilómetros percorridos e reservamos estadias, com exceção do Albergue de Vilar de Barrio. Esta é uma opção que pensamos não voltar a utilizar, porque se não conseguirmos chegar ao destino programado, falhamos o planeamento e perdemos o dinheiro das reservas. Nós gostamos de ficar nos albergues oficiais, que normalmente têm vagas, só numa ocasião noutro caminho isso aconteceu e mesmo assim, como estava perto do anoitecer eles disseram que ninguém ficava na rua e lá acabaram por arranjar uma cama.
  • Início/Fim: Começamos os percursos ao nascer do sol, cerca das 07h30 e terminávamos no máximo às 19h00;
  • Média diária de quilómetros: Reduzimos a média diária para 60/70 km. Verificamos que a mesma ainda podia ser diminuída, porque o relevo e características dos caminhos são muito diversificados;
  • Paragens para descanso: Nas horas de maior calor descansamos alguns minutos à sombra das árvores e fizemos mais pausas para recuperar.
  • Bicicleta:
    • Pneus novos, com câmaras de ar com gel, para prevenir furos;
    • Como este percurso era muito montanhoso mudamos o carreto para 9 mudanças, o que nos ajudou nas escaladas;
    • O suporte traseiro para a mochila foi reforçado com braçadeiras plásticas;
    • Neste caminho sempre que foi possível ou necessário lavámos a bicicleta e colocamos spray lubrificante na corrente e outros mecanismos.
  • Carga da mochila: Reduzida para seis quilos, com apenas o básico, duas mudas de roupa, sendo usada a bicicleta como estendal para secar a que já tinha sido lavada; 
  • Aplicações: Instalamos no nosso telemóvel a APP do Wikiloc, com uma licença premium e descarregamos um percurso deste caminho no site oficial. Enviamos o mesmo para o nosso computador de bicicleta Garmin Edge Exlpore.
  • Garmin Edge Exlpore: Computador de bicicleta de passeio com ecrã tátil e funcionalidades de conectividade. A APP da Wikiloc acima referida em conjunto com este computador ajudou-nos principalmente nas cidades onde é mais complicado seguir as setas e por vezes os alojamentos ficam afastados do caminho. A nossa avaliação deste aparelho é positiva, já que achamos mais fácil seguir as suas indicações que as do Wikiloc. No entanto o ecrã táctil e usabilidade podiam ser melhorados. Mesmo com poupanças a bateria não dura mais que seis horas. Para aumentar a sua autonomia, ativamos o seu modo de suspensão e descobrimos um bug no software. Quando ativámos esta opção, o ecrã entra em hibernação ao fim de três segundos e se durante a sua contagem regressiva o ecrã for clicado, o sistema bloqueia, sendo impossível de reverter. Para o aparelho funcionar é necessário a bateria esgotar e ele se desligar. Depois é necessário voltar a carregar a bateria e ligá-lo normalmente. 

 

Caminho Português de Santiago Interior - 1 Etapa –  Viseu - Castro Daire - 39 Km – sábado dia 26/SET/2020

Caminho Português Interior - Marco dos 387 Km em Viseu

No sábado do dia 26-09-2020, começamos a nossa quarta peregrinação a Santiago de Compostela, partindo de Viseu com destino a Lamego, onde tínhamos reservado alojamento. A nossa confiança exagerada fruto dos três percursos já realizados induziu-nos em erro e encaramos este caminho com demasiada facilidade.

Apesar de já estarmos avisados das más condições, ficamos negativamente surpreendidos pela má marcação do percurso, manutenção dos trilhos, onde por vezes encontrámos árvores caídas e todo o tipo de tojo, que fustigou as nossas expostas perninhas, habituadas a andanças mais cuidadas. Este percurso caracteriza-se por ser pouco ciclável e invariavelmente a bicicleta tem que ser rebocada pelas íngremes encostas, sendo mais apropriado para caminhantes.

Por outro lado, nós também cometemos alguns erros, levamos demasiado peso na mochila e fomos bastante ambiciosos nos quilómetros que podíamos percorrer diariamente. Apesar de termos feito uma revisão à bicicleta, não foi mudado um desgastado carreto de mudanças, que nas mais baixas a corrente começa a saltar nos desgastados dentes das mudanças. Com todos estes problemas, o ânimo começou a fraquejar. Chegamos já tarde a Castro Daire e percebemos que nunca iríamos chegar a Lamego nesse dia, uma grande chuvada acabou com todas as nossas dúvidas e desistimos do caminho nesse ano. Apesar de tudo passados poucos dias e com a bicicleta já consertada fomos percorrer o Caminho Português da Costa , muito menos exigente.

Nós não somos desistentes e ficamos a aguardar que no futuro tivéssemos força para regressar a este trajeto. Neste interregno de dois anos o mundo foi atacado pela pandemia e agora pela guerra do renovado e utópico imperialismo soviético, deixando-nos saudosos do caminho e nós deu a força necessária para agora o completar.     

O caminho é como a vida, por vezes não estão reunidas as condições para fazermos determinada empresa, temos que perceber os sinais e desistir, sem que nos pareça claro, para voltar a tentar em circunstâncias mais favoráveis. Temos que ter a sabedoria para entender quando devemos ser resilientes ou devemos entregar o fruto das nossas ações a uma ordem divina superior. A importância do caminho não reside somente na chegada, a viagem possui igualmente muita importância, é um caminho de encontros, experiências, conhecimentos e embora possa ser feito por outros motivos que não religiosos, desportivos ou culturais, não deixa de ser uma aventura que invariavelmente toca quem o enceta. 

Vamos agora apresentar um pouco das histórias da etapas que percorremos, onde tivemos grande dificuldade em selecionar os assuntos e as fotos apresentadas, pela sua riqueza este relato apenas toca levemente na sua brutal importância. Temos uma atração pelas capelas, igrejas, pontes, as primeiras por terem grande importância no desenvolvimento das comunidades, física e espiritualmente e as segundas por demonstrarem toda a força da engenharia antiga ao serviço da ânsia humana de comunicar.

Quando passamos por um ponte romana, imaginamos os nossos ancestrais, camponeses com burros carregados de milho a caminho do moinho, conduzindo porcos à feira, mulheres vergadas sob o peso da roupa, pastores na transumância conduzindo gado, senhores a cavalgar, padres para rezar, romanos soldados em patrulha na ibéria para manter a ordem no império ou lusitanos guerreiros para expulsar sarracenos. 

Por outro lado certos sentimentos, experiências e emoções, nem que fossemos dotados duma eloquente prosa ou arrebatada veia poética, poderíamos contar-vos a mística transcendente do caminho.

Caminho Português de Santiago Interior - 2 Etapa –  Castro Daire – Vila Real - 76 Km – domingo dia 01/MAI/2022

Estrada Nacional 2 - Castro Daire - Viseu

Estrada Nacional 2 - Castro Daire - Viseu

No domingo dia 01 de maio 2022, regressamos felizes ao caminho e com vontade de vencer as dificuldades. Começamos de onde tínhamos ficado em Castro Daire, pedalando pela carismática Nacional 2, velhinha estrada com 75 anos, que liga Chaves a Faro e atravessa a coluna vertical do nosso país.

O pinheiro de São João de Fareja - Fareja - Castro Daire

O pinheiro de São João de Fareja – Castro Daire

Passamos pela localidade de Fareja – Castro Daire, onde conhecemos a igreja de São João e a tradição da queima do pinheiro, que altaneiro ainda ali permanece, empolgado pelas interrompidas festas populares que se avizinham.

Ponte Velha da Moura Morta - Castro Daire

Ponte Velha da Moura Morta - Castro Daire

Cruzamos a nossa primeira ponte romana, conhecida como Ponte Velha da Moura Morta – Castro Daire, sobre o rio Vidoeiro, antigo caminho romano que ligava as cidades de Viseu e Vila Real. Ali próximo pastavam bovinos da Raça Maronesa, guardados à distância pelo seu criador, que nos alertou que aquele ritmo não iríamos chegar a horas a Vila Real.

Por vezes neste percurso, devido ao traçado pedregoso das escarpas, a nossa média rondava os 5 km hora, semelhante às caminhadas, o que nos começou a preocupar.

Ponte Pedonal Metálica de Peso da Régua

Ponte Pedonal Metálica de Peso da Régua

Chegamos já tarde a Peso da Régua, onde podemos apreciar o Rio Douro e as suas três icónicas pontes:

  • Ponte rodoviária Miguel Torga;
  • Ponte Ferroviária da Régua;
  • Ponte metálica pedonal: “A ponte metálica foi mandada construir em 1872 pelo Rei D. Luís I para atravessamento rodoviário do Rio Douro e desativada desde 1949 devido ao estado de degradação do tabuleiro em madeira. Nesta data, a intervenção promovida em parceria pelo Município do Peso da Régua e as Estradas de Portugal na ponte metálica, permite a reutilização da estrutura, num contexto urbano e paisagístico único, com um uso mais adequado às suas caraterísticas preexistentes e em ligação com a rede de percursos pedonais à cota alta e baixa do rio Douro de elevada capacidade polarizadora.” 2

Linha do Corgo – Antiga via férrea desativada entre Vila Real e Peso da Régua

Linha do Corgo – Antiga via férrea desativada entre Vila Real e Peso da Régua

Nós temos que ser verdadeiros e dizer que não podemos seguir pelo caminho original que passa por Santa Marta de Penaguião, porque nunca iríamos chegar a tempo ao alojamento particular reservado em Vila Real. Por esta razão seguimos a indicação dum colega que nos aconselhou o traçado em terra batida da antiga linha ferroviária do Corgo, que ligava Vila Real a Peso da Régua, atualmente desativada.

Para lá chegar tomámos a direção da foz do Rio Corgo, afluente a montante do rio Douro, na sua margem direita, com acesso pela Estrada Nacional 323. Depois de passar uma ponte sobre este rio, vira-se à esquerda logo a seguir em direção a Vilarinho, onde se encontra do lado esquerdo o antigo traçado da linha de comboio.

Este percurso é duma grande beleza, no fundo do vale corre o Rio Corgo, as giestas brancas e amarelas cobrem o percurso e pedala-se até ao céu. Em baixo aprecia-se as culturas do vinho em socalcos e cumprimentamos as antigas estações, que depois dum passado glorioso, agora nem direito tiveram a uma respeitosa reforma, saudemo-las pelos seus nomes: Tanha, Alvações, Povoação, Carrazedo, Cruzeiro e por fim Vila Real.  

Monumento do 75º aniversário da chegada do primeiro comboio a Vila Real

Monumento do 75º aniversário da chegada do primeiro comboio a Vila Real

Chegados ao nosso destino, antes de irmos descansar para o alojamento particular disponibilizado, paramos para apreciar uma homenagem de Vila Real, que assinalou o 75º aniversário da chegada do primeiro comboio à cidade em 1 de abril de 1981, através num monumento que exibe uma das últimas locomotivas, a vapor, que refulgiu nesta linha, a composição MD 409, com o nº de fabrico, 8916, construída em 1908, por Henshel & Sohn Cassel. 

Apesar de não termos sido totalmente fiéis ao caminho, estávamos felizes porque não desistimos e custa é começar. Como na vida, por vezes temos que seguir por atalhos e termos a capacidade de nos adaptarmos.

Um robalo grelhado para o jantar

Como era domingo, estavam muitos restaurantes fechados, mas acabamos por descobrir um aberto, a Marisqueira Amadeus, onde comemos um robalo grelhado, com batata a murro, acompanhado dum odorífico vinho do douro. Este peixe estava delicioso e melhor confecionado que por vezes nos restaurantes especialistas junto à nossa orla marítima.

Caminho Português de Santiago Interior - 3 Etapa –  Vila Real - Chaves - 66 Km – segunda-feira dia 02/MAI/2022

Despertamos em Vila Real com alegria redobrada, sentindo que tínhamos vencido com muita dificuldade as duas primeiras etapas e que estávamos lançados no caminho. Depois da nossa rotina de colocar tudo na mochila, amarrá-la com esticadores ao suporte, colocar o telemóvel e o garmin nos respetivos suportes do guiador, verificar se nada tinha ficado esquecido, metemo-nos ao caminho. Ainda tivemos tempo de admirar a cantaria da Igreja da Misericórdia e procurar no granito antigas marcas de pedreiro.   

Sê Catedral de Vila Real

Sê Catedral de Vila Real

O sol já rezava nas paredes frontais da Sê Catedral de Vila Real, quando procurávamos um local para tomar o pequeno-almoço. Foi do cimo do largo da Igreja da Ordem Terceira, com a cidade aos seus pés, que admiramos e despedimo-nos desta terra.

Parque Natural do Alvão

Parque Natural do Alvão

O dia sorria comprazido e para quem tinha levado tanta porrada nas anteriores etapas, foi um regalo pedalar mais docemente, apreciando as paisagens da Parque Natural do Alvão, dar vivas as pessoas, cumprimentar os animais e beijar a natureza. Por vezes a nossa boa disposição poderá ter levado os populares a questionar a nossa saúde mental.

Capela de Santa Ana – Minhava – Adoufe - Vilarinho da Samardã – Serra do Alvão

 Capela de Santa Ana – Minhava – Adoufe - Vilarinho da Samardã – Serra do Alvão

Estávamos a apreciar a capela de Santa Ana – Minhava – Adoufe - Vilarinho da Samardã – Serra do Alvão, quando parou um senhor curioso que nos interrogou amavelmente sobre a nossa empresa e tristemente nos disse que o templo estava votado ao abandono, apontando para as ervas que cresciam no adro e que o interior estava vazio.

E de louvar esta antiga religiosidade, a perfusão de Casas do Senhor, com certeza para afastar os males do mundo, na mente de um povo temente a Deus, afastados das metrópoles e que só ao divino podia recorrer. É por esta razão que paramos respeitosamente junto destes templos para os admirar, como as Capelas de Benagouro – Vilarinho da Samardã, uma delas em honra de São Salvador e Santa Ana.

A caminho de Vilarinho da Samardã, pareceu-nos que roçadores das ervas que proliferam nas bermas, nos chamaram. Só mais tarde nós percebemos que queriam alertar-nos para a camisola do pijama que secava sobre a mochila, na traseira da bicicleta, tinha caído. Fomos deixando pelo caminho as nossas roupas, mas descansem que chegamos decentemente a Compostela.

O Burro Pimpão de Vilarinho da Samardã

O Burro Pimpão de Vilarinho da Samardã

Em Vilarinho da Samardã, um homem arrastava pela mão o seu burro, que disse apressadamente se chamava, “Pimpão”. Abandonamos a visão do animal e pusemo-nos a caminho da Igreja Matriz de Vilarinho da Samardã.

Gado da Raça Maronesa de Vilarinho da Samardã

Gado da Raça Maronesa de Vilarinho da Samardã

Depois deste templo encetamos a descida até ao Rio Corgo, onde cruzamos o nosso olhar com o negro gado da raça maronesa, que depois de levantarem o trombil e visto que não eramos da sua "família" continuaram tranquilamente a ruminar.

No final do vale, passamos uma ponte metálica sobre este curso de água, num convidativo local para nos banharmos e estivemos quase a cair na tentação, mas o tempo não permitiu veleidades e a contrariados continuamos viagem à espera duma oportunidade para irmos à banhos.

Ecopista da Linha do Corgo

Ecopista da Linha do Corgo

Depois duma acentuada encosta, que ao menos não tinha pedras para dificultar ainda mais o reboque da bicicleta, regressamos à Ecopista da Linha do Corgo, passando pela antiga estação de Samardã.

Aqui pedalamos sem dificuldade pelo piso betuminoso, matamos a sede numa fonte e enchemos o nosso cantil. Perto de Tourencinho uma antiga casa senhorial de fartos agricultores prendeu-nos atenção, a cantaria de pedra, o degradado espigueiro, a eira, a terra lavrada.

Fontanário do Carril – Tourencinho – Vila Pouca de Aguiar

Fontanário do Carril – Tourencinho – Vila Pouca de Aguiar

O bonito fontanário do Carril, apresenta um painel de azulejos onde homens trabalham o barro. Seguimos para Vila Pouca de Aguiar, onde verificamos que neste concelho têm o hábito de embelezar as suas fontes com recortados painéis de azulejos.

O almoço em Vila Pouca de Aguiar tendo um cão por convidado

Cão em Vila Pouca de Aguiar

O estômago reclamou e parámos para almoçar no Restaurante David, em Vila Pouca de Aguiar, onde comemos o prato do dia, massinhas de vitela, bem guarnecidas e com um vinho da região. Comemos no exterior, onde também podíamos estudar as pessoas nos seus afazeres. Tivemos um cão por companhia, pelo que vimos um cliente habitual, amantes de iguarias, mas que dispensa pão e café.

Curioso foi os diálogos dos homens desta terra, junto à nossa mesa, no passeio um cavalheiro já com mais de meio século de vida, encontrou um compadre e passou-lhe logo roda de malandro, dizendo com presunção, sabendo a realidade do seu contrário, “Então não se faz nada, já estás na reforma?” Contudo o comparsa não acusou a estocada e rematou, “Não ainda me faltam alguns anos, mas sabes eu não pego às 08h00 como tu, pego às 07h00, quando tu ainda estás a dormir eu já levo uma hora de trabalho.”

Passados poucos minutos um forte senhor abriu a porta da “Barbearia Abel”, um cliente também já entradote, questionou, “Estava a ver que não abrias hoje, devias estar a dormir!”, levando como resposta, “São duas horas, que é que tu queres, e até tenho cadeira para dormir, a da barbearia serve às mil maravilhas.” E lá entregou o cliente para fazer a barba ou cortar o cabelo.

Resumi ambos os casos acima referidos, porque a esgrima de argumentos foi mais longa e incisiva, curiosa “demonstração” de apreço e amizade que nesta terra os homens têm ou se é por pura diversão ou maledicência.   

Ponte Romana de Cidadelha de Aguiar

Ponte Romana de Cidadelha de Aguiar

Depois do repasto regressamos à estrada e paramos junto da ponte romana de Cidadelha de Aguiar. Pedimos aos donos dum terreno que ali estavam cavando com enxadas, na força do calor, se podíamos entrar para melhor enquadrar o monumento. Foram eles que nos disseram que a Capela em frente era em honra do Mártir São Sebastião e ficaram a conhecer que também se venera este Santo na nossa Santa Maria da Feira e da lenda das fogaças que lhe está associada.

Brasão de armas de Sabroso de Aguiar

Brasão de armas de Sabroso de Aguiar

Em países antigos como Portugal e Espanha, a história revela-se ao virar de cada esquina. Fomos encontrar na Rua Senhora da Piedade, em Sabroso de Aguiar, fachadas de duas casas decoradas com cantaria, uma com brasão medieval e outra trabalhoso Cristo Crucificado.

Chegamos ao Vidago, não tivemos tempo para às termas, ou percorrer a rota termal da água, que liga Verin, Chaves e Vidago.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição - Vidago

Igreja de Nossa Senhora da Conceição - Vidago

Aqui foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no século XX, mas seguindo o modelo de muitas igrejas românicas do norte de Portugal.

Passadiços do Támega - Chaves

Passadiços do Támega - Chaves

Até Chaves partilhamos algumas partes do percurso, com a Ecovia internacional do Tâmega e Corgo, que liga Chaves a Verín, passando pelas antigas estações de Vilarinho das Aranheiras e Vilela do Tâmega.

Ponte medieval sobre o Rio Tâmega - Chaves  

Ponte medieval sobre o Rio Tâmega

Passámos um estreita ponte medieval sobre o Rio Tâmega - Chaves, que nasce em Espanha e nos acompanhou durante muitos quilómetros. 

Um jantar de desatino

Fomos jantar a um conhecido restaurante típico, "O Faustino", que rima com desatino, que se tivessem tanto cuidado com a barriga dos fregueses, como a que têm com a sua bonita e tradicional apresentação, todos sairiam satisfeitos e sem aligeirar demasiado a carteira, merecia melhor final de dia esta jornada.

Caminho Português de Santiago Interior - 4 Etapa –  Chaves – Vilar do Barrio - 69 Km – terça-feira dia 03/MAI/2022

Ponte Romana de Trajano - Chaves

Ponte Romana de Trajano - Chaves

Abandonamos Chaves passando a magnífica Ponte Romana de Trajano, que por mais que a conhecemos sempre nos fascina pela sua robusta construção, aliada a uma elegância que a faz perdurar pelos séculos e remonta ao começo da era cristã.

“A ponte romana sobre o Rio Tâmega é o legado mais importante do império a “Aquae Flaviae”. Foi concluída no tempo do Imperador Trajano, entre o fim do século I e o princípio do século II d.C. É uma obra notável de engenharia, com cerca de 150 metros de comprimento. Os 12 arcos visíveis são de volta perfeita e formados por enormes e robustas aduelas de granito. No entanto, há pelo menos mais seis arcos soterrados pelas construções, de um lado e do outro do rio. A meio da ponte estão implantados dois documentos epigráficos de carácter honorífico em tributo das gentes flavienses e dos dez povos que ajudaram na sua construção. Esta ponte é o mais característico ex-libris de Chaves.

Cumpriu a função de acesso principal à cidade pelo bairro da Madalena até à década de 50 do século XX, altura em que foi inaugurada a ponte Eng.º Barbosa Carmona. Atualmente, encontra-se encerrada ao trânsito funcionando apenas como ponte pedonal.” 3

Vilarinho da Raia e Vilarelho da Raia

Passarmos pela Igreja Paroquial de Outeiro Seco, em honra de São Miguel e ouvíamos já os ecos da fronteira com Espanha, onde nos depararmos com duas localidades que sendo portuguesas partilham o mesmo nome, mas o da segunda parece ter sofrido influência de nuestros hermanos, Vilarinho da Raia e Vilarelho da Raia.

Igreja de São Tiago - Vilarelho da Raia - Chaves

Igreja de São Tiago - Vilarelho da Raia - Chaves

Foi já em Vilarelho da Raia, que passamos pela Igreja dedicada ao seu orago São Tiago, tendo sido reedificada em 1698. Este templo possui uma arquitetura incomum onde o sino perdeu o capacete protetor e a igreja está rodeada por cruzeiros de pedras, que alinhados parecem servos de Deus com a missão de lhe reforçar a segurança contra os males do mundo exterior, tivéssemos nós a certeza que resulta e fá-lo-íamos nas nossas casas.

Capela de Nossa Senhora das Neves - Vilarelho da Raia - Chaves

Capela de Nossa Senhora das Neves - Vilarelho da Raia - Chaves

A 200 metros de Espanha, foi edificada a Capela de Nossa Senhora das Neves, em Vilarelho da Raia, “Mandada construir em 1771, conforme inscrição no granito, pela família fidalga de Manuel da Silva, proprietária do atual largo do campo e residente no casario em frente. Em tempos os edifícios eram ligados por um passeio.” 3

Fronteira entre Vilarelho da Raia - Portugal e Rabal - Espanha

Fronteira entre Vilarelho da Raia - Portugal e Rabal - Espanha

Entramos em Espanha, por Rabal e para tristeza nossa, não tínhamos à nossa espera nenhuma banda filarmónica ou gaitas de foles, já tínhamos o discurso preparado , mas ninguém os avisou da “nossa ilustre presença”. Alguém nos vai prestar contas por esta falha de protocolo. 

Rabal – Ourense – Galiza

Despojados duma receção oficial, acompanhada de fidalgo banquete, fomos matar a sede numa humilde fonte, tendo para nosso vexame a companhia de dois gatos, sem continuarmos a ver viva alma. Por estas perdidas paragens, os caminhos, estradas, casebre e arruelas, são tristonhos e a pender para o decrépito. Contudo nos vastos horizontes as serras são alegres e vista da natureza pura. Por aqui também devem ter partido as novas gentes e deixado os mais velhos entregues à sua sorte/morte, escolham o vocábulo que mais vós aprouver.   

A feira e mercado rural de Verin

Feira e mercado rural de Verin

A nossa aproximação sorrateira a Verin foi detetada pelos sentinelas do Castelo de Monterrei, que deram o alerta à guarda, felizmente que não estamos na época medieval e nada de mal nos aconteceu. Livrados do perigo, estranhamos agitação que depois soubemos ser provocada pela feira semanal e mercado rural de Verin, em tudo igual a Portugal, que seguindo a lógica do dia da nossa chegada se realiza às terças-feiras.

Foi aqui que compramos frutas, vimos o sucesso que fazia uma venda portuguesa do nosso tradicional frango churrasco. Sentamo-nos num café a comer umas empadas e bebemos cerveja Estrella Galicia. Retomando a viajem passamos numa ponte sobre o Rio Tâmega e recordamos o distante dia, há mais de duas décadas que numas férias, ao volante dum velho Renault 5 TL, que causava espanto aos Espanhóis, aqui nos banhamos na praia fluvial e quando pedimos um fino, nos queriam dar vinho.  

As armas do Albergue dos Peregrinos de Verin

Albergue dos Peregrinos de Verin

Na nossa infância e adolescência tivemos por vizinho um canteiro, conhecido por “Ti Artur Figura”, que com a sua arte dava de comer à uma numerosa prole que não seguiu o seu mister. Trabalhava ao ar livre, junto dum bosque, bramindo um cinzel com martelo no duro granito. Das suas mãos nasciam peças duma beleza austera e respeitosa, como fogões de sala, ornamentados muros, fachadas de casas e até restauros de cantaria do Castelo de Santa Maria da Feira.

Trabalhava no começo sem proteção, depois com uma simples máscara, inalando o pó da pedra que devastava, com auxílio de ferramentas que se foram aprimorando e mecanizando com o avançar da idade. Com os anos o chiar dos pulmões foi-se intensificando e morreu cedo da doença profissional.

Além dos sábios conselhos que nos dava, passou-nos o gosto pela cantaria e apreciar como foi o caso as armas da fachada do Albergue dos Peregrinos de Verin. Neste albergue carimbamos o nosso “guia do paso”, documento que se adquiri nas dioceses e permite que se vá certificando com carimbos a passagem pelo caminho e no final no Ofício do Peregrino, se obtenha a “Compostela”, documento que atesta a conclusão da peregrinação.

Foi uma funcionária que nos disse que o caminho original seguia por um inclinado percurso em direção ao Castelo de Monterrei, mas que muitos ciclistas optavam por seguir pela estrada, que se cruza novamente com o caminho mais à frente. As nossas forças tinham que ser poupadas e deixamos para uma próxima a visita a este monumento.

Ponte Romana de Matamá – Verin

Ponte Romana de Matamá – Verin

Passámos pela Ponte Romana de Matamá – Verin, junto a uma praia fluvial, banhada pelo Rio Tâmega e com algumas esculturas de arte contemporânea a decorar o antigo monumento.

A subida de Tamicelas – Laza, último hércule esforço antes de Santiago

Fomos descendo o Vale do Tâmega, passando pela sua nascente e suspeitamos que tão grande descida iria suportar forte subida, sem suspeitar quão dolorosa iria ser.

Igreja de Nossa Senhora da Assunção – Tamicelas - Laza

Igreja de Nossa Senhora da Assunção – Tamicelas - Laza

Depois de vermos a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, do séc. XVIII, em Tamicelas, começamos a subir a encosta, por um estradão de terra batida, serpenteando a serra, que depressa se converteu em lajes graníticas, pontuadas por afiados rochedos e só com auxílio da força muscular conseguimos rebocar a bicicleta.

Este monte conhecido por Travesa, vai até Albergeria, apresentando um desnível de 500 metros em apenas 5 km, sendo um dos maiores obstáculos de toda a Via da Prata e Caminho Sanabrés.

Paisagens do Vale do Tâmega

Paisagem do Vale do Tâmega

Neste caminho é uma constante o sofrimento ser confidente da beleza e o suor aplacado pelas paragens e magníficas paisagem do Vale do Tâmega. Contudo foi neste local que depois de muito subirmos, sem encontrar novas informações da boa direção, termos o Garmin sem bateria e o telemóvel sem rede, a dúvida nos assaltou, será que nós tínhamos enganado e falhado alguma indicação?

Voltamos a bicicleta para trás, porque um erro neste final de dia, com a noite aproximar-se era muito grave. Ainda descemos umas dezenas de metros, mas parámos, São Tiago que nos tinha acompanhado até ali não nos iria abandonar e aquilo era um teste à nossa fê. Entoamos o Salmo do Bom Pastor, que nos acompanhou na viagem e aqui reproduzimos um enxerto: “Senhor ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo porque vós estais comigo, a vossa vara e o vosso cajado dão-me confiança.”

O fim da subida na Estrada OU-113

Via da Prata  - Estrada OU-113 - Ourense

O que é certo é que próximo do local onde tínhamos descido, ao virar duma curva surgiu um marco que nos acalmou o espírito. Depois foi sempre a escalar até ao pico, com estrema dificuldade, numa prova de resiliência que só terminou quando alcançamos novamente a estrada OU-113. No final desta subida parecia que já tínhamos chegado a Santiago, tal era o nosso contentamento pela superação.

Vilar do Barrio - Ourense

Vilar do Barrio - Ourense

Passamos por Albergeria e começamos a grande descida para Vilar de Barrio, onde podemos apreciar as profundas paisagens, recortadas por verdejantes tons dos campos agrícolas e chegamos por fim ao Albergue de Vilar do Barrio.

Albergue de Vilar de Barrio  - Ourense

Albergue de Vilar de Barrio  - Ourense

Depois de instalados e antes do banho fazíamos uma sessão de yoga, denominado “Surya Namaskar”, composto por simples exercícios, disponíveis na web, que ajudam no restabelecimento do equilíbrio corporal e nos tiram os desconfortos acumulados de tantas horas a pedalar. Tanto esforço pedia uma condigna refeição e desta feita não foi preciso procurar muito.

Casa Carmina - Vilar de Barrio  - Ourense - fundada em 1932

Casa Carmina - Vilar de Barrio  - Ourense

As primas da Casa Carmina - Vilar do Barrio - Ourense

Por indicação da senhora do albergue, fomos jantar comida caseira, à “Casa Carmina”, fundada em 1932, com 90 anos, em frente ao alojamento.

Carmina San Pedro, com 80 anoas e prima Avelina San Pedro, com 70 anos - Casa Carmina - Vilar do Barrio

Ali naquele ambiente que o tempo não reclamou, já jantavam outros peregrinos. A dona da casa, Carmina San Pedro, com 80 anos, com bons modos, mas o vagar próprio da idade ia servindo como podia. A nós perguntou o que queríamos comer e colocou logo em cima da mesa uma garrafa de vinho Rioja, que parecia evaporar-se só de a olharmos com sofreguidão e foi só a vergonha que nos impediu de a embocarmos toda, sobrando pouco de tão doce nectar.

Começamos o repasto por um caldo galego, servido na panela e à disposição do freguês de acordo com o seu apetite. O pão por aqui também é saboroso e acompanhou bem os legumes. Para o prato principal, pedimos uma tortilha e podemos dizer que foi a melhor que comemos em Espanha, feita pelas mãos duma experiente cozinheira.

Numa mesa perto a prima, Avelina San Pedro, com 70 anos, passava tempo à volta do telemóvel e não ouviu o pedido de ajuda vindo da cozinha e foi por nos alertada, afinal nem só os jovens se deixam arrebatar pelas tecnologias e internetês.

Carmina San Pedro, com 80 anos - Casa Carmina - Vilar do Barrio

Assim terminamos felizes esse dia, agradecendo a estas duas senhoras a magnífica refeição e as palavras de carinho que a mais velha nos dedicou quando lhe pedimos que escrevesse o seu nome no nosso diário de viajem. Pela nossa parte esperamos que outros peregrinos as possam encontrar com saúde em próximas viagens, para também ali saciar a forme e lhes mandarem cumprimentos do Ondas da Serra.

Caminho Português de Santiago Interior - 5 Etapa –  Vilar do Barrio - Ourense - 54 Km - quarta-feira dia 04/MAI/2022

Uma manhã de nevoeiro em Vilar de Barrio

Como habitualmente nesta peregrinação levantámo-nos ao nascer do sol que nesse dia se tinha escondido atrás de um expeço e húmido nevoeiro, que é alcunha da nossa família.  

Igreja de San Fins em Vilar de Barrio

Igreja de San Fins em Vilar de Barrio

A Igreja de San Fins em Vilar de Barrio envolvida pela neblina parecia adormecida num tempo medieval e do interior chegáva-nos murmúrios de antigos padres nas matinas a oficiar em latim.

Cruzamos muitos quilómetros por estradões que dividiam talhões agrícolas e o nosso Garmin bloqueou, quando estava em modo de poupança de bateria, numa avaria já acima relatada e só depois de esgotar a bateria no final do dia o recuperamos.

O caminho mozárabe em Cimo de Vila - Castro Caldelas - Ourense - Galiza

caminho mozárabe em Cimo de Vila -  Castro Caldelas - Ourense - Galiza

Na localidade de Cimo de Vila trilhamos uma floresta por onde passa o “caminho mozárabe”, outro nome porque é conhecido a “via de la plata”, escurecido pela névoa que teimava em não levantar e fantasmagoricamente obscurecia a paisagem, onde só o cantar dos cucos ecoava.

Os primeiros peregrinos no caminho em Bóveda - Lugo - Ourense - Galiza

Peregrinos do Caminho de Santiago na Via da Prata - Ourense - Liz, britânica e Benoit Grogan, francês

Encontramos o primeiro casal de peregrinos no caminho em Boveda, Liz, britânica e Benoit Grogan, francês, que tinham partido antes de nós do albergue que partilhamos.

Casa Miraval em Xunqueira de Ambía - Ourense

Casa Miraval em Xunqueira de Ambía - Ourense

Ao entrar em Xunqueira de Ambía, prendeu-nos atenção a Casa Miraval, onde a sua fachada conta uma história de muitos séculos, como na inscrição “Castelo da Pousa 1356” e acolhe peregrinos a caminho de Santiago. O interior mais parecia um museu e a entrada é guardada por um cavaleiro envergando armadura.

Mosteiro da Colegiata de Santa María de Xunqueira de Ambía - Ourense

Mosteiro da Colegiata de Santa María de Xunqueira de Ambía - Ourense

O antigo mosteiro da “Colegiata de Santa María de Xunqueira de Ambía”, domina o largo principal desta vila e remonta ao início da era cristã quando Portugal ainda não era nascido.

“O antigo Mosteiro de Xunqueira de Ambía foi fundado no ano de 955. No século XII foi doado aos cónegos regulares de Santo Agostinho, sendo a igreja construída em estilo românico de transição. Alcançou a categoria de Colegiado em 1164, e passou a pertencer ao Arcebispado de Valladolid. Artisticamente, mostra as características típicas do românico galego, juntamente com aquelas que a própria Ordem projetou para a sua residência.

Uma igreja em claro estilo românico (século XII). Destaca-se a fachada principal, dividida por dois contrafortes correspondentes às três naves interiores da igreja. Portada românica com três arquivoltas e capitéis decorados com desenhos entrelaçados e folhados. Sobre a porta, há um toldo em arco sobre mísulas. Existem três absides românicas notáveis. O claustro é ogival, com arcadas semicirculares, apresentando tímpano perfurado. Interior em planta de cruz latina, com três naves separadas por arcos ogivais.

Coro plateresco e púlpitos de pedra renascentista. Vale a pena mencionar a originalidade do órgão, recentemente restaurado e um dos melhores da Europa. Designado Monumento Nacional em 3-7-1931.” 4

Os espigueiros de Boveda – Lugo - Ourense

Apesar do nevoeiro esconder a paisagem profunda, ajuda o fotografo a imbuir as fotos de mistério e simbolismo. Como bons camponeses ao chegar a Boveda, apreciamos os seus antigos espigueiros, enfeitados com bandeirinhas.

Capela da Virxe do Camiño na Pousa - Armariz - Xunqueira de Ambía - Ourense

Capela da Virxe do Camiño na Pousa - Armariz - Xunqueira de Ambía - Ourense

Se para muitos é mais do mesmo, para nós cada antigo templo é diferente na sua personalidade, como a Capela da “Virxe do Camiño na Pousa”, em Armariz - Xunqueira de Ambía. Neste templo a fachada apresenta uma estátua da santa e dois Brasões nas laterais, que pela sua grandeza acabam por roubar protagonista a santa que lhe dá o nome.

Peregrino francês junto da Igrexa de San Breixo Seixalbo - Ourense

Peregrino do Caminho de Santiago na Via da Prata - Ourense - Laurent Jayer, da região da Normandia – França

Foi no largo junto da “Igrexa de San Breixo Seixalbo”, que encontramos a tirar fotografias o peregrino francês, Laurent Jayer, da região da Normandia – França, que tinha partido de Almeria.

A chegada a Ourense – terra de icónicas pontes sobre o Rio Minho

Puente del Milenio - Ourense

Chegamos cedo a Ourense, já o sol brilhava e tinha afastado finalmente as nuvens tresmalhadas. Ao cruzarmos o Rio Minho, marcou-nos de imediato a perfusão das suas pontes a seguir referidas, das quais destacamos a Romana pela antiguidade e a Milénio, pela modernidade.

Pontes de Ourense sobre o Rio Minho

  • Ponte Nova
  • Ponte pedonal Caminõ Rio Miño
  • Ponte romana, Ponte Maior de Orense
  • Puente del Milenio
  • Ponte Novísimo

Ponte Romana, Ponte Velha ou Ponte Principal - Ourense5

Ponte Romana, Ponte Velha ou Ponte Principal - Ourense

"A construção desta ponte na época romana foi um marco na história de Ourense, diretamente ligado às suas origens. Foi um passo estratégico, o único em muitos quilômetros a cruzar o rio Minho. Reconstruída no século XIII (daí os seus arcos pontiagudos, marcantes pela sua altura) e consolidada no século XVII, foi declarada monumento histórico-artístico em 1961, juntamente com a vizinha Capilla de los Remedios. O Caminho Mozárabe – Vía de la Plata a Santiago de Compostela passa por cima dele.

Segundo a tradição, data da época de Trajano. No entanto, suas características construtivas o aproximam da época de Augusto. Da primeira ponte romana restam apenas alguns silhares almofadados das bases, como testemunhas mudas do passado. Se a abertura central tivesse a mesma luz que a atual, seria sem dúvida uma das maiores do império e explicaria as suas constantes ruínas. Segundo o Itinerário Antonino, documento onde se compilam as rotas do Império Romano, teria feito parte de uma via secundária da estrada XVIII que ligava as cidades de Bracara Augusta (atual Braga), capital do convento bracarense, e Asturica Augusta (Astorga)."

Albergue Águas Quentes – Orense

Ficamos hospedados no Albergue Águas Quentes – Orense, na margem direita do rio, com uma singela entrada que esconde as suas boas condições e sendo gerido por dois simpáticos sócios. Escolhemos este local por estar perto da ponte romana e a poucos metros da ponte pedonal. Cada uma delas oferece uma vista soberba sobre as outras, rio e margens ribeirinhas.

Centro Histórico de Ourense

Centro Histórico de Ourense - Entrada lateral da Catedral de Ourense

O Centro Histórico de Ourense fica a poucas centenas de metros do albergue e onde pode encontrar uma perfusão de bares e restaurantes, onde pode saborear a comida galega, sendo rei por aqui o polvo, que é cozinhado de várias formas. Nos almoçamos perto da Catedral e quisemos provar as suas tortilhas, mas nesta região são tradicionalmente menos consistente e não apreciamos tanto.

Catedral de Ourense dedicada a San Martín

Catedral de Ourense

Depois de termos as energias retemperadas, aproveitamos o resto de tarde para visitar a Sé Catedral de Ourense, dedicada a San Martín, principal monumento religioso da cidade. Na entrada deram-nos um audiobook, para nos servir de cicerone na visita e ouvirmos as informações em Português quantas vezes fossem necessárias até abarcarmos a informação.

Este templo foi construído entre os séculos XII e XIII, tendo as honras de ser uma basílica menor desde 1867, segundo o Breve Pontifício do Papa Pio IX assinado em 30 de junho daquele ano.

Nesta visita tivemos rédea solta, liberdade de movimentos e fotográficas. Aprendemos que se chama catedral porque era onde os bispos exerciam a sua cátedra e tinham residência oficial. Na torre sineira contemplamos o teto da cidade e os seus oito sinos, de vários tamanhos e funções. Na idade média o povo por eles se regia, sabia os seus nomes próprios e para que chamavam, orações, celebrações ou horários, entre outras realizações.  

Misal Auriense – Museu da Catedral de Ourense

Misal Auriense – Museu da Catedral de Ourense

No museu da catedral destacamos o “Misal Auriense”, primeiro livro impresso na Galiza em 1494, pela sua apurada e cuidada caligrafia e onde desenhar boa letra ou iluminura era obra para entrar no reino do céu. Na idade média havia bibliotecários que chamavam bibliotecas a um conjunto de manuscritos compostos no scriptorium, que se contavam por vezes apenas pelos de dedos das mãos.

Pórtico da Catedral de Ourense

Pórtico da Catedral de Ourense

Há semelhança da Catedral de Santiago, onde Mestre Mateus erigiu a sua obra prima “Pórtico da Glória”, que já tivemos a honra de visitar, aqui foi feita uma obra que o tenta imitar e também é soberba pela significação empregada.

Caminho Português de Santiago Interior - 6 Etapa –   Ourense - Silleda - 60 Km – quinta-feira, dia 05/MAI/2022

Uma manhã atríbulada na saída de Ourense

Já temos experiência para saber de anteriores caminhos que para o final, o cansaço acumulado começa a provocar erros e há sempre um dia onde as coisas não se ajustam. Nesta sexta etapa foi precisamente isso que aconteceu, apesar de todos os cuidados e verificações. Depois de acordarmos bem cedo, com tudo pronto para continuar viajem, depois de efetuarmos várias verificações ao material, devolvemos a chave e batemos a porta do albergue convictos que não tínhamos esquecido nada.

Íamos arrancar e soltámos uma imprecaução, uma pequena pasta com todos os documentos, tinha ficado no interior, pousada no balcão de atendimento, de onde retiramos a chave. Era bastante cedo, o único ocupante era um jovem que estava mesmo no fundo das instalações e não ouvia bater.

Depois de alguma insistência, um dos gestores ligou-nos e disse que no café em frente, denominada Perla, na Ponte – Ourense, tinha uma chave de reserva. Lá resolvemos o problema e aproveitamos para ali tomar o pequeno-almoço, onde nos colocaram pela primeira vez um carimbo ao contrário, mau prenúncio.    

O nosso Garmin deixou de funcionar novamente, conforme avaria que já relatamos neste artigo. Pela manhã ainda perdemos um par de luvas, fomos mordidos, e ao almoço o prato não era o que esperávamos. Os maus ventos de maré acalmaram à tarde e quando a vida não está de feição há que aceitar e esperar que a borrasca passe, como aconteceu.

Igrexa de San Pedro de Cudeiro – Ourense

Lá deixamos a cidade de Ourense para trás e subimos uma encosta, passado pela Igrexa de San Pedro de Cudeiro – Ourense. Visitamos a Ermida de S. Marcos da Costa onde tivemos uma visão panorâmica de Ourense de quem nos despedimos.

Peregrinos Espanhóis no Caminho de Santiago – Via da Prata

Peregrinos Espanhóis no Caminho de Santiago – Via da Prata, Pablo Baltasar e Enrique Martins

Foi aqui que encontramos dois peregrinos Espanhóis, de nomes, Pablo Baltasar e Enrique Martins, ambos com 66 anos, que tinham partido pela manhã desta cidade. Trocamos impressões sobre os nossos países e eles contaram o que conheciam de Portugal.

Os "Peto de Animas" – Villamarin - Ourense

Peto de Animas - Villamarin - Ourense

Chegamos a Villamarin, onde também há percursos pedestres e passámos por pessoas nela a caminhar, que confundimos com peregrinos e estranharam os nossos votos de bom caminho, que também serve para esse “Ruta Circular Saudable,  A ruta dos pazos, peto animas a sobreira”.

Os “Peto de animas” são uma representação icnográfica religiosa feita em cantaria e por vezes em madeira, muito difundidos por todo o mundo rural galego e que também existem em muitas zonas de Portugal, em moldes um pouco diferentes, mas com a mesma simbologia. A sua representação está relacionada com o culto aos defuntos e preocupação pelas almas do purgatório. A sua constituição possui três corpos, o remate superior, o corpo central e a base rematada em tabuleiro. 5

A mordidela que sofremos…

A dada altura nesta manhã paramos para beber água, a bicicleta com todo o peso na parte traseira, deu uma reviravolta e mordeu-nos cravando os metálicos dentes da corrente na parte inferior da barriga da nossa perna direita, felizmente tínhamos umas calças elásticas vestidas, se não o dano teria sido maior, até ela já se estava a enervar com a dureza da prova, mas uma conversa lá acalmou o animal que está vacinado.  

Ponte Sobreira – Villamarin - Ourense

Ponte Sobreira – Villamarin - Ourense

Cruzamos a Ponte Sobreira, que fica integrada no percurso pedestre acima referido, muito bem preservada e rodeada de majestosa floresta.

“Num antigo Caminho de Santiago sobre o rio Barbantinõ, dos caminhos de Villamarin e Cea, ergue-se a Ponte Sobreira de arco único e ligeiramente pontiagudo e variedade de marcas de canteiro. Pode datar-se no século XIII ou XIV. No ´século XVII sofreu uma reconstrução, conforme inscrição no peitoril, ESTA MANDO REDIFICAR EL SR S. JOSEPH DE ABILES, INTENDENTE GERAL, DESTE REINO, AÑO DE 1755.” 6

A Nossa Senhora de Fátima em Viduedo – San Cristovo de Cea

Igrexa de San Cristovo de Cea

Não estávamos à espera de encontrar no Caminho de Santiago o culto à Nossa Senhora de Fátima. Quis o destino que esta peregrinação enquanto milhares de portugueses caminhavam para Fátima, para as celebrações do 13 de maio, interrompidas pela pandemia por dois anos, nós pedalássemos para Santiago de Compostela.

Em Viduedo - San Cristivo de SEA, encontramos uma Igreja, onde ali perto rezavam os três pastorinhos e ela ostentava um aviso para as celebrações do 13 de maio, com saída em procissão com a Vigem de Fátima, acompanha pela charanga os “Tres Galleguiños” e celebração de missa no final.

Os bons percursos com lajes do Caminho de Santiago – Via da Prata

Caminho de Santiago – Via da Prata

Por aqui os caminhos foram melhorados para facilitar a vida dos peregrinos. Nos percursos de terra batida onde as autoridades públicas acharam que pudessem ficar em mau estado devido ao tempo, foram colocadas lajes na parte central, que deveria ser copiado em alguns pontos do Caminho Português Santiago Interior.

Almoço confuso em San Cristovo de SEA 

Almoçamos em San Cristovo de SEA, no Restaurante Brazaria Baia, que não deixou saudades pela forma como fazem o atendimento e a qualidade da comida. O senhor que nos atendeu não teve um pouco de paciência e calma para nos explicar o prato combinado. Para a primeira opção escolhemos o caldo galego e para o segundo o polvo galego com batatas cozidas (isso pensávamos nós). Depois do caldo, crescia o nosso apetite pelo polvo, quando nos colocaram à frente uma coxa de frango com batatas fritas que detestamos, a confusão claro foi nossa, confundimos pollo (galinha) com pulpo (polvo), por vergonha nem lhe dissemos nada, fica aqui a nossa confissão, agora até nos rimos, no dia ficamos um tempinho a olhar o prato do nosso descontentamento.

A torre do relógio de Cea - Pontevedra – Galiza

Torre do relógio de Cea - Pontevedra – Galiza

Passamos pelo centro de Cea – Pontevedra, onde uma imponente torre dá as horas e mata a sede dos viajantes com as suas fontes.

A Nossa Senhora de Fátima na Paróquia de San Cristóbal de Cea

Encontramos novamente o culto da Nossa Senhora de Fátima na Paróquia de San Cristóbal de Cea, onde cartazes informavam a realizações de novenas de 4 a 13 de maio, na Capila de La Saleta, às 8h00 da tarde.

Santuário de Nuestra Senõra de las Nieves - Arenteiro

Estas terras são ricas em templos e santuários, maiores ou menores conforme as suas gentes e riquezas, mas todas denotando uma respeitável idade e memórias que só ao tempo confessão, como o Santuário de Nuestra Senõra de las Nieves - Arenteiro.  

Capela da Milagrosa – O Reino - Piñor - Orense

Capela da Milagrosa – O Reino - Piñor - Orense

O calor apertava e as pernas fraquejavam e por isso resolvemos deitar-nos a descansar na relva fresca, junto da Capela da Milagrosa – O Reino – Pinõr, à sombra do seu arvoredo, embalados pelo cantar dos pássaros e vibrar dos insetos.

Etelvino Lourenço – Habitante do Reino - Piñor - Orense

Etelvino Lourenço – Habitante do Reino - Carballino - Orense

Os minutos de descanso não foram muitos, mas deram para recuperar o ânimo e voltar ao caminho, mesmo a tempo de conhecermos Etelvino Lourenço, com 86 anos, morador do Reino – Pinõr. Homem de trato fácil que nos ajudou a vencer uma subida a caminhar, tendo-nos contado que faz a sua caminhada diária, entre 5/6 quilómetros e que o segredo para a sua forma é comer pouco. Esta solteiro senhor trabalhou 35 anos na Opel na Alemanha e foi com pena que o deixamos e continuamos para a vida, desejando-lhe boa saúde, longevidade e com a sensação de já nos termos cruzado em outras existências.  

Guarda Civil de Lalin

Chegamos a Lalin e como estávamos perto entramos na Guarda Civil, onde o Guarda Ramon, nos carimbou o passaporte e lhe perguntamos se podíamos tirar fotos ao edifício público. Ele levantou-se e acompanhou-nos ao exterior e pediu-nos a máquina para nos tirar fotografias, pelo menos foi assim que ele percebeu, tendo acabado esta confusão por nos ser favorável.

Igreja de Santa Maria das Dores - Lalin

Igreja de Santa Maria das Dores - Lalin

Passamos junto da Igreja de Santa Maria das Dores em Lalin, onde paramos para nos refrescar as suas fontes e perguntar a uma senhoras que ali conviviam, quantos quilómetros faltavam para Silleda, onde iriamos dormir, tendo uma dito 35 km, apanhamos um valente susto, mas outras mulher corrigiu para metade, mesmo assim ainda faltava muito caminho.

A Nossa Senhora de Fátima no lugar de Taboada -  Silleda - Pondevedra

Nossa Senhora de Fátima no lugar de Taboada -  Silleda - Pondevedra

Ao passar junto da Igrexa de Santiago de Taboada, em Silleda, verificamos que juntavam-se ali crentes para rezar uma novena à Nossa Senhora de Fátima, mas que também a chamam de “Virgem Dolores”.

Imagem de Nossa Senhora de Fátima no lugar de Taboada -  Silleda - Pondevedra

Imagem de Nossa Senhora de Fátima no lugar de Taboada -  Silleda - Pondevedra

Uma devotada senhora disse que a sua Senhora era mais bonita e apontou-nos os três pastorinhos que na primeira fila rezavam diligentemente. Estava ela a puxar à brasa à sua sardinha, quando uma voz feminina autoritária começou a rezar e todos se aquietaram para dar início ao culto e nós sentimos que nos estavam a pedir para retirar, o que fizemos respeitosamente. 

Igreja de Santiago de Taboada – Silleda - Pondevedra

Um pormenor que nos agradou nesta antiga igreja, foi o seu arco superior da entrada da porta estar decorado com cantaria representando uma cabra, ovelha e na parte superior um cavaleiro.

Igreja de Santiago de Taboada – Silleda - Pondevedra

Esta Igreja de Santiago de Taboda, em Silleda, faz parte da Rota do Românico.

“No concelho de Silleda, na freguesia de Taboada e no lugar de Eirexe, existe uma pequena, mas bela igreja que conserva um bom número de traços românicos. É a igreja de Santiago de Taboada. A sua localização deve-se à passagem da Via da Prata que atravessa a Deza pela antiga ponte medieval que ainda se conserva a pouco mais de 1 km.

Esta igreja tem o formato retangular, tem planta única e abside retangular e mantém vários motivos decorativos românicos do século XIII, como o portal com arquivolta dupla e coluna dupla com base e capitéis com motivos vegetalistas. Em sua capital, um cavaleiro com seu corcel é representado para alguns ou Sansão lutando contra o leão para outros. Na abside, destaca-se a janela semicircular com ombreiras e colunas com capitéis vegetais e figuras zoomórficas.

O seu campanário destaca-se da fachada com um duplo sino que termina com quatro cabeços e uma cruz que preside ao conjunto. Como sabemos, este campanário foi construído em estilo barroco no século XVIII. Uma sacristia também foi anexada à parede norte neste momento. No interior, destaca-se o retábulo onde está representado Santiago.” 6

Albergue dos Peregrinos de Santa Eulália - Silleda

Chegamos por fim ao Albergue dos Peregrinos de Santa Eulália, em Silleda, a uns metros da Igrexa de Santa Baia de Silleda, um dos maiores onde já estivemos e que segundo nos disse o responsável, é muito utilizado por grandes grupos de peregrinos. Este alojamento tem boas condições e tivemos direito a um quarto só para nós e foi das noites mais descansadas que tivemos.

Final do dia a jantar no Bodegón Esther - Silleda

Perguntamos ao senhor do albergue onde nos aconselhava a ir jantar, tendo ele nos indicado o Bodegón Esther, que disse servia boa comida caseira, tipicamente galega e efetivamente não se enganou.

Quando lá chegamos o restaurante estava quase cheio e depressa já havia pessoas à espera de lugar vago. Como vingança por um dia que começou tão agoirento, comemos e bebemos faustamente, apreciando cada degustação, vivendo o momento, celebrando a vida e mais uma vitória no caminho, que se aproximava com pena do final. Ainda hoje, quando o recordamos, nos toca o coração e temos que desviar os pensamentos, para não termos que dar a velha desculpa do bicho que entrou para o olho se for na rua e da cebola se for em casa.

Caminho Português de Santiago Interior - 7 Etapa - Silleda – Santiago de Compostela – 40.3 Km – sexta-feira, dia 06/MAI/2022

Depois duma noite descansada, partimos para o nosso último dia de peregrinação, já vislumbrávamos Santiago e a conclusão da grande empresa tomámos e só isso já era motivo para nos torvar o pensamento. 

Igrexa de Santa Baia de Silleda - Silleda - Pontevedra

Igrexa de Santa Baia de Silleda

As igrejas por onda passamos estão todas voltadas para poente e de costas para o nascer do sol. O mesmo acontecia na Igrexa de Santa Baia de Silleda, entrando os raios luminosos pela abertura sineira e assinalando o relógio, 7h15. A cidade acordava para um novo dia, que prometia ser radioso e propício para a chegada à casa do Apóstolo.   

“Reconstruída em 1751. Tem planta em cruz latina. A nave principal tem o dobro do tamanho das absides. No portal principal há uma figura de San Salvador com artes de pesca na mão direita. Possui relógio e nas laterais duas rosetas com vitrais, ambas de pequeno porte.” 6

Igrexa de San Félix – Silleda – Pontevedra

Igrexa de San Félix – Silleda – Pontevedra

A Igrexa de San Félix – Silleda, rejubilava com o abraço solar e as sombras da sua frontaria eram projetadas para um antigo cemitério no adro em frente, cujas flores de entes queridos nos relembram para a finitude da vida e do dever de nos elevarmos, não semeando a desordem e maledicência quando por ela passarmos.

Ponte de Pedra – Silleda - Pontevedra

Ponte de Pedra – Silleda

Cruzámos a Ponte de Pedra – Silleda, onde o rio ainda fumegava, não de fogo, mas de frio.

“Esta pequena Ponte de Pedra, tem séculos de existência e facilitava a passagem sobre o Rio Toxa, dos peregrinos para Compostela, e da população local, nas sua tarefas cotidianas e tarefas agropecuárias

Pelas suas características podemos situar a sua construção entre os séculos XVI e XVIII. Os seus alicerces assentam sobre rocha e sobre ela emergem os estribos de cachoaria de pedras irregulares, colocadas sem argamassa, que possibilitam a estabilidade dum cofre medio; as pedras lavradas com cinzeladas formais conseguem a prodigiosa união das duas margens, com a distância de quase sete metros. A ponte já teve muros laterais que desaparecerem sem deixar registos.

No “Catastro del Marqués de la Ensenada” (1750 -  1754), está documentada a existência, perto da ponte de um pequeno hospital de peregrinos, sob a invocação jacobina Nossa Senhora da Consolidação.” 8

Caminhos de Dornelas – Silleda - Pontevedra

Caminhos de Dornelas – Silleda - Pontevedra

Esta peregrinação ficou marcado pela sua intensa ruralidade, caminhos a perder de vista, ladeados de autênticos postais turísticos, como em Dornelas. A vida da prata só pontualmente é acompanhada por intensa urbanidade. Um dos aspetos que destacamos são as grandes manchas florestais, que não se deixaram tomar pelo eucalipto, bem enquadradas na paisagem e onde transparece haver um bom planeamento urbano e rural.

Albergue - Cafetería "Casa Leiras 1866" - Dornelas – Silleda – Pontevedra

Albergue - Cafetería - Casa Leiras 1866 - Dornelas – Silleda – Pontevedra

Como habitual pela manhã, fomos parando para aproveitar o quente do sol, fazer as nossas orações e pujas. No entanto saciado o espírito, o corpo ciumento pedia uma bebida quente e com estávamos a passar pelo Albergue - Cafetería "Casa Leiras 1866, em Dornelas, parámos para também conhecer o lugar.

Sílvio Dias, do Ondas da Serra e Andrea Grugnetti, da Casa Leiras 1866

Ao entrar na cafetaria, o seu gestor Andrea Grugnetti, com apurada acuidade adivinhou logo algo da nossa esfera pessoal e depressa se entabulou uma interessante conversa. Este italiano em 2007, partiu de Sevilha, pela Via da Prata, para fazer a peregrinação, mas aqui chegado, apaixonou-se pelo local, casou e por aqui ficou, já lá vão 15 anos.

Igrexa de San Martiño de Dornelas – Silleda - Pontevedra

Igrexa de San Martiño de Dornelas – Silleda - Pontevedra

Ao passarmos pela Igrexa de San Martiño de Dornelas – Silleda, tivemos muita pena de não conseguirmos visitar o seu interior e apreciar um magnífico teto em trabalhada madeira. É uma igreja que apresenta alguns evidentes traços romanos, nas suas colunas com trabalhosos capiteis e naves em formato circular. 

“Em 1115 o Couto de Dornelas é doado pela Rainha Dona Urraca à igreja de Compostela. Igreja exemplar do românico rural compostelano. De nave única, com abside semicircular, abre-se com portal principal com arquivolta dupla e duas laterais, possui contrafortes, vãos e cordões de canzorros sob a lateral e todos os elementos que definem o rural do século XII. Faz parte da Rota do Románico de Trasdeza, sendo o último enclave religioso do Caminho Mozárabe (Via da Prata), deste concelho.” 7

Capela de Nosa Senõra das Angustias – O Seixo - Lugo

Capela de Nosa Senõra das Angustias – O Seixo - Lugo

“A Capela de Nosa Senõra das Angustias, em Seixo, foi fundada em 1707 na Albergaria e transladado em 1880 para o Seixo.” 9

Nossa Senhora de Fátima em Oural

Num muro da Ponte de Ulla, um cartaz festivo, como aqueles que assinalam as romarias em Portugal, informava das comemorações de Nossa Senhora de Fátima em Oural, Camporrado – Boqueixón, nos dias 14 e 15 de maio, com missa, música, DJ, charangas, desfile de carroças, degustação de vinhos e petiscos. Efetivamente o culto à Nossa Senhora de Fátima rivaliza neste caminho com o de Santiago, mas com a vantagem de só ter um século e o segundo um milénio.  

A Ponte Ulla – Uma vila com várias pontes

Ao aproximarmo-nos de A Ponte Ulla, passamos pela Ponte Vella (Sec. XVIII) e Ponte de Gundián, ferroviária (séc. XX), sobre o Rio Ulla.

Igrexa de Santa Maria Magdalena de Puente Ulla

Igrexa de Santa Maria Magdalena de Puente Ulla

“Do românico só se conserva a abside que conserva alguma mísula original. De resto, destaca-se a sobriedade do barroco galego, demonstrada pela sua fachada com ausência de elementos decorativos.

Nela existe apenas uma porta de verga com restos de um antigo arco original e um óculo sobre ele. Um campanário de corpo único e sino duplo coroa a fachada. Destaque para o belo estilo arquitetónico preservado nos arredores da igreja, especialmente perto da ponte da estrada que atravessa o Ulla, o que demonstra a importância desta etapa provincial.” 10

Capilla de Santiago - San Pedro Vilanova - Doçom - Pontevedra

Capilla de Santiago - San Pedro Vilanova - Doçom - Pontevedra

Em San Pedro Vilanova, numa colina conhecida por Pico Sacro, encontramos uma pequena capela e fontes dedicadas a Santiago, muito ricas em termos arquitetónicos e um marco temporal da passagem de peregrinos para Santiago ao longo dos séculos.

As inscrições em latim na Capilla de Santiago - San Pedro Vilanova

Inscrições em latim na Capilla de Santiago - San Pedro Vilanova

Nós gostaríamos de poder saber ler latim, para interpretar uma pedra de alvenaria da capela, cinzelada com inscrições, onde sobressaem também alguns cuidados desenhos contendo a urna com as relíquias do Apóstolo Santiago, que diz a tradição repousam na catedral de Compostela e datada de 1676.

“A igreja tem planta em cruz latina. A torre sineira de formato quadrado é encimada por uma pequena cúpula sustentada por seis pilares.” 4

Fuente de “Santiaguiño” - San Pedro Vilanova - Doçom - Pontevedra

Fuente de “Santiaguiño” - San Pedro Vilanova - Doçom - Pontevedra

Junto à esta antiga estrada real que comunicou Ourense com Santiago, encontramos uma fonte monumental construída em 1670.

“A importância desta região no culto apostólico levou Dom Pedro Valdés Feijó y Noboa, cônego de Santiago, a fundar uma pequena capela junto com um hospital e a fonte citada. Essa ligação com a tradição jacobina fica clara na inscrição encontrada em a fonte: la reina Loba… a buscar los bueies para llebar su santo cuerpo de Padrón a donde oi está” 11

Finalmente Peregrinas Portuguesas no Caminho de Santiago – Via da Prata

Caminho de Santiago - Via da Prata, peregrinas portuguesas de Vila Real, Joana Barros, Celina Cardoso, Inês Carvalhosa, Natália Moura e Filipa Silva

Já tínhamos perdido a esperança de encontrar portugueses neste caminho, quando ao descer uma encosta, já com a Catedral de Santigo à vista, escutamos a nossa amada língua e encontramos cinco raparias de Vila Real, que iniciaram a jornada em Allariz – Ourense e que disseram que as fotos serviam como prova que fizeram o caminho.

Estas enérgicas mulheres portuguesas são da (esquerda para a direita): Joana Barros, Celina Cardoso, Inês Carvalhosa, Natália Moura e Filipa Silva.

Ponte de Sar - Santiago de Compostela

Ponte de Sar - Santiago de Compostela

Aproximamo-nos da Catedral de Santigo de Compostela passando a Ponte de Sar, na Via da Prata, antiga via de acesso pela “Porta de Mazarelos”, desde as terras de Castela, sobre o rio com o mesmo nome, de estilo românico, cujas águas já foram mais caudalosas no passado.

Colexiata de Sar – Igrexa de Santa Maria a Real de Sar - Santiago de Compostela

Colexiata de Sar – Igrexa de Santa Maria a Real de Sar - Santiago de Compostela

Ainda tivemos temos para ir ver a magnífica Colexiata de Sar – Igrexa de Santa Maria a Real de Sar, que como os seus bonitos arcobotantes laterias, nos fez lembrar o livro que lemos, “Os Pilares da Terra”, do magnifico escritor britânico Ken Follett.

“Localizado à entrada do Caminho do Suleste ou Via da Prata. A fundação do mosteiro de Sar em 1136 esteve ligada a Munio Alfonso (membro da Catedral) e ao Arcebispo Xelmírez. É a primeira comunidade agostiniana da Galiza.

O conjunto arquitetónico é constituído por três espaços: uma igreja românica, um claustro e as antigas dependências do convento barroco. Igreja, de planta retangular, em silharia de granito e coberta com duas vertentes de telha segundo os cânones estilísticos românicos. O cabeçalho é formado por três absides de planta poligonal não interior e de planta semicircular não exterior, com exceção da central, também facetada externamente.

Os seis arcobotantes da Igrexa de Santa Maria a Real de Sar

Os seis arcobotantes da Igrexa de Santa Maria a Real de Sar

A parede norte tem seis arcobotantes que estão ligados por arcos semicirculares e é reforçado por um sistema de arcobotante do séc. XVIII. Uma planta de três naves se reflete em sua fachada, articulada em três ruas ladeadas por dois botaréus.

A parte central é coberta por um tímpano liso, arquivoltas a partir do meio sustentadas por colunas gémeas com capitéis em formas que marcam o gabinete de Mestre Mateus.

A parte superior da fachada foi reformada em 1732, perdendo sua rosácea medieval. Não há alojamentos do priorado ou Museu de Arte Sacra.

Do claustro do séc. XIII conserva nove arcadas, ou o resto é do século XVIII. Foi declarado Monumento Histórico-Artístico em 1985.” 4

A chegada a Santiago de Compostela com a graça do Apóstolo Santiago

Sílvio Dias do Ondas da Serra, junto à Catedral de Santiago de Compostela

Cara comunidade Ondas da Serra, nunca conseguiremos explicar a força e significado que esta peregrinação teve para nós, o que sentimos quando nos aproximávamos e o que foi a chegada. Por situações da nossa vida particular, que todos temos que combater, vencer e ultrapassar. Que caminho difícil este, que belo caminho foi, acabamos ajoelhados na praça, rezando a Santiago por nos ter ajudado a cumprir esta demanda e nos ter acompanhado nas horas difíceis.

Ofício do Peregrino

Uma tradição que temos é antes de irmos para o Albergue, deslocarmo-nos ao Ofício do Peregrino, para carimbar o passaporte denominado "Guia do Paso", de forma a obter a "Compostela", terminado oficialmente a peregrinação e também obtermos uma certificado dos quilómetros percorridos, que neste caso foram 400 Km.  

Albergue "O Fogar de Teodomiro" - Santiago de Compostela

Ficamos hospedados no Albergue "O Fogar de Teodomiro", onde partilhamos o quarto com um chileno e peruano. O mesmo tem boas condições, os funcionários são eficientes, educados e simpáticos, está localizado perto da Catedral, mas aos fins-de-semana há muito barulho, na madrugada de sábado decorreu um Botellón até o sol nascer e fomos acordando sobressaltados com os gritos e risos produzidos.

Relíquias do Apóstolo Santiago na Catedral de Compostela

Relíquias do Apóstolo Santiago na Catedral de Compostela

Durante a tarde fomos visitar a Catedral de Santigo e as relíquias do Santo, mas por causa da pandemia não se pode dar o tradicional abraço ao Santo que nos mira do altar.

A renovada Catedral de Santigo de Compostela

Catedral de Santigo de Compostela - altar-mor com a imagem do Santo Santiago

Aproveitamos estes momentos de calma, silêncio e quietude, para apreciar a renovada Catedral, que já não tem andaimes a impedir a visão e a grande beleza do seu altar-mor. Por vezes o sussurro das pessoas aumentava e lá surgiu a voz de um segurança que pedia que não fizessem barulho, não tirassem fotos com flash ou se estivessem simplesmente de visita se retirassem antes da missa começar.

Missa do Peregrino na Catedral de Santigo de Compostela

Orgão da Catedral de Santiago de Compostela

Depois de cumpridas as nossas orações, sentamos à espera da missa do peregrino às 19h30, mesmo por baixo do imponente orgão angelical. Esta celebração foi muito emotiva para muitos peregrinos e cheia de significado. A Catedral abarrotava pelas costuras, tendo sido enumeradas as diversas peregrinações, inclusive a nossa de Viseu e onde se destacou a de um grande grupo de clérigos dos EUA.

O botafumeiro da missa da Catedral de Santigo

Botafumeiro da Catedral de Santigo

No final da celebração o botafumeiro foi descido e colocado incenso no seu interior. Surgiram oito homens conhecidos pelos “tiraboleiros”, que através de força bruta começaram a puxar uma corda que o fez baloiçar da nave central para as laterais, primeiro timidamente e no final com uma força que parecia voar para a Glória do Senhor, para satisfação dos peregrinos. Este momento foi só nosso, por isso não o registamos, apenas o contemplamos.   

“Um dos maiores símbolos da catedral é o botafumeiro, talvez o maior incensário do mundo, e funciona durante as principais solenidades, além de todas as sextas-feiras do ano (exceto na Sexta-feira Santa), durante a missa das 19h30, como uma homenagem da cidade de Santiago ao peregrino. E em ocasião de peregrinações que o tiverem solicitado à catedral. O seu aroma tem um significado simbólico vinculado à oração e à purificação espiritual: “Que suba à tua presença a minha prece como uma oferenda de incenso” (Salmo 141:2).

O botafumeiro pesa 53 kg e mede 1,50 m. Move-se a partir da cúpula central da catedral, onde está suspenso, por um complexo sistema de polias, para as naves laterais. São necessários oito homens para deslocá-lo, os conhecidos como “tiraboleiros”. Está suspenso a uma altura de 20 m e pode alcançar os 68 km/h.

A primeira referência documental deste enorme incensário aparece numa nota marginal do século XIV do Códice Calistino, onde é chamado “Turibulum magnum”. Ao longo da história houve vários botafumeiros e, nas suas origens, o seu funcionamento não era tão perfeito como o de agora. Por exemplo, em 1610, o peregrino Diego de Guzmán escreve no seu diário que o incensário voava “batendo nas abóbadas altas”. E noutras raras ocasiões chegou a soltar-se das engrenagens.”

Jantar com presunto da Galiza

Depois de tanto sacrifício tivemos direito a um “pecadinho”, cometido na loja Cut Salamanca, perto da Catedral, onde compramos saborosas baguetes de delicioso presunto ibérico. Com as crompas na mão, fomos saborear o petisco, acompanhado por vinho Rioja, para o Parque da Alameda, assistindo ao pôr-do-sol, que bela maneira de terminar o dia.  

Diversão e restauração noturna em Santiago de Compostela

Diversão e restauração noturna em Santiago de Compostela

Era já noite quando deambulávamos pelas estreitas ruas da velha cidade, algumas como a Ruela de Entrerrúas, são tão estreitas que mal cabe uma pessoa, que na época medieval ajudava na defesa contra exércitos invasores ou protegia do temporal. 

Encontro de tunas universitárias veteranas em Santiago de Compostela

Tuna de Veteranos de Santiago de Compostela - Tuna do Camiño de Santiago

A noite estava animada com as músicas, cantorias e boa disposição de várias tunas universitárias de veteranos. Estivemos a conversa com elementos da Tuna de Veteranos de Santiago de Compostela - Tuna do Camiño de Santiago, formada por tunos de distintas facultades. 

A nossa missão estava cumprida, a nossa mente aquietada e o corpo pedia descanso e recolhemos ao albergue.

Santiago de Compostela, sábado - dia 07/MAI/2022

A porta santa da Catedral de Santigo de Compostela

A porta santa da Catedral de Santigo de Compostela

Na manhã de sábado fomos tomar o pequeno-almoço, como é tradição ao "Café 25 de Julio", perto da Praça Obradoiro e em frente à Polícia Nacional, que oferece por preços modestos um desjejum considerável. Depois fomos conhecer e estudar alguns pormenores da catedral, como a porta santa.

"A Porta Santa, também conhecida como Porta do Perdão, fica na parte traseira da Catedral, voltada para a Praça de Quintana e tem no alto a imagem de São Tiago (Santiago), ladeada pelas de seus discípulos Teodoro e Atanásio." 14 

Ainda durante a manhã chegou outro elemento da nossa equipa e foi um problema, comum às cidades modernos, conseguir um estacionamento. Aqui em Santigo a partir das 14h00 de sábado e no domingo, não é necessário pagar os parquímetros, o que nos ajudou imenso.

Antes do almoço procuramos online um bom restaurante para almoçar, mas apesar da intensa pesquisa acabou por ser a sorte a levar-nos para o Restaurante Damajuana, no centro histórico, onde a comida tradicional galega é bem confecionada, com muitas opções para as combinações de dois pratos e o atendimento amigável.

Arcebispo Julián Barrio Barrio de Santigo de Compostela

Arcebispo Julián Barrio Barrio de Santigo de Compostela

Durante a tarde fomos novamente visitar a catedral, onde pensamos nós estavam a decorrer cerimónias com crianças e fomos por isso encontrar no exterior a cumprimentar as pessoas o o Arcebispo Julián Barrio Barrio, desta cidade.

Para tristeza nossa que queríamos rever na missa do peregrino às 19h30, a cerimónia do botafumeiro não se realizou, sabemos agora que tradicionalmente é realizada às sextas-feiras, a esta mesma hora. O padre que oficiou a celebração mostrou muita preocupação e advertiu que as pessoas que vão comungar, não devem levar a hóstia como recordação e que iria estar atento.

Santiago de Compostela, domingo - dia 08/MAI/2022 – Regresso a Portugal

No dia de regresso quisemos fazer compras, mas aqui aos domingos está literalmente tudo fechado, com exceção das lojas de lembranças e restauração. Achamos que é uma medida acertada porque as pessoas têm direito ao descasso, à família e colocar um pouco de ordem na sociedade, porque parece que Portugal é governado pelos grandes grupos económicos.

Apesar de tudo foi-nos referenciado o Supermercado Vitória, o único que encontrámos aberto, onde comprámos muitos produtos regionais dos quais destacamos os vários tipos de empanadas de carne e peixe, tendo nos gostado especialmente da de atum. Também refecíamos a charcutaria, com os seus queijos e enchidos. Compramos também vinho Rioja, que é uma região demarca desta zona. Há também algumas doçarias que pode provar, um estabelecimento que iremos voltar no futuro e recomendamos.

Praia Fluvial - A Calzada – Ponte Caldela – Caldelas - Pontevedra

Praia Fluvial - A Calzada – Ponte Caldela – Caldelas - Pontevedra

Já estávamos com saudades de casa e iniciamos o regresso a Portugal, mas faltava algo nesta viajem, a cereja em cima do bolo, o banho numa praia fluvial, o tempo esplêndido pedia que a descobríssemos.

Escolhemos a praia fluvial da A Calzada – Ponte Caldela – Pontevedra, no Rio Verdugo, por nos pareceu bonita e perto do caminho de regresso. A nossa escolha foi acertada, apesar das águas um pouco frias, mas já encontramos pior. 

Os mergulhos na Praia Fluvial de Ponte Caldela

Praia Fluvial de Ponte Caldela

Na praia aproveitamos as suas águas límpidas para nadar, mergulhar graciosamente ou mais atabalhoadamente como os miúdos que baloiçavam numa corda amarrada no cimo duma árvore e nós olhavam admirados.

Depois de almoçarmos as deliciosas empanadas, o ternorento calor, a convidada relva, as sombras reconfortantes, amoleceu-nos o corpo e demos-lhe um merecido descanso, da noite mal dormida por causa do Botellón.  

Acordamos já a tarde ia adiantada e fomos tirar fotos do local, quando fomos abordados por um senhor já veterano, que quis saber quem éramos e nos disse que o povo de Caldelas está preocupado pelo facto do Alcaide de Vigo querer fazer transvazes da água deste rio para levar para a cidade, mas alertou com ferocidade que o povo não o ia deixar.

“A Calzada de Estévez (que realmente se deveria chamar Calzada Clotilde, por foi Clotilde Fernández Orge, mulher de José Estévez Fernández, a autentica promotora da ideia) foi construída em 1907 para desviar as águas que alimentavam a fábrica de luz dos Molinos.)” 13

Esta praia na época balnear tem bandeira azul, relvados, vasto arvoredo, parque de autocaravanas, acesso condicionado, ecopista, percurso pedestre, parque de merendas, grelhadores, bar, parque infantil e zonas para banhos para adultos e crianças.

No final da tarde regressamos à estrada e já em Portugal ainda fomos a tempo de jantar em Ponte de Lima o inconfundível arroz de sarrabulho.

Bom Caminho – Buen Camino

Podemos dizer que escrever este artigo foi fazer o caminho novamente, sentir as mesmas emoções e ter a certeza que ele nos modificou. A grandeza do empreendimento humano não se compadece das suas fraquezas que estão sempre à espreita duma oportunidade para se manifestarem. Depois destes 400 quilómetros olhamos para determinadas situações do quotidiano e não queremos saber, são insignificantes demais para nos chatearmos.

A todos vocês que nos acompanharam, tiveram paciência para lerem este artigo que temos consciência ser extenso, mas que teve que refletir a extensão desta epopeia, agradecemos do fundo do coração e desejamos-lhes saúde, prosperidade e longevidade.

Bom Caminho – Buen Camino

Leia também os nossos outros caminhos:

Primeiro caminho: Pelo Caminho Central Português para Santiago de Compostela

Segundo caminho: O regresso à peregrinação com fé a Santiago de Compostela

Terceiro caminho: Partindo do Porto com fé a Caminho de Santiago pela Costa

Créditos e Fontes pesquisadas

Texto: Ondas da Serra com exceção do que está em itálico e devidamente referenciado. 
Fotos: Ondas da Serra.

1 - Portaria 457/2021, do Governo Português
2 - Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar
3 - Câmara Municipal de Chaves
4 - www.turismo.gal
5 - www.turismodeourense.gal
6 - Xunta da Galicia
7 - turismoriasbaixas.com
8 – Consello de Silleda – Pontevedra
9 - turismo.aestrada.gal
10 - www.galiciamaxica.eu
11 - www.romanicodigital.com
12 - www.caminodesantiago.gal
13 – Concello de Ponte Caldelas
14 - viagensdefe.com.br

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Autor

Ondas da Serra

Ondas da Serra® é uma marca registada e um Órgão de Comunicação Social periódico inscrito na ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, com um jornal online. O nosso projeto visa através da publicação das nossas reportagens exclusivas e originais promover a divulgação e defesa do património natural, arquitetónico, pessoas, animais e tradições do distrito de Aveiro e de outras regiões de Portugal. Recorreremos à justiça para defendermos os nossos direitos de autor se detetarmos a utilização do nosso material, texto e fotos sem consentimento e de forma ilegal.     

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